Após um incêndio, o que sobra são cinzas. Depois da
erupção vulcânica, lá estão elas até onde o vento levar. Pó, resíduos, restos.
Da cor do céu encoberto, melancólico, destoante do azul ensolarado.
Para muita
gente, a Quarta-Feira de Cinzas tem este aspecto abatido, triste, de ressaca,
de um fogo que pouco ou nada deixou. Mas, este dia tem um significado distinto
daquilo que pretende descolorir. É o início de um tempo especial. De reflexão,
concentração, incubação. Algo complexo nestes dias agitados, conectados,
corridos.
Quem ainda tem espaço para refletir? As tarefas, os compromissos, as
metas, a televisão, a internet, os programas - tudo conspira contra o quê as
cinzas tentam encobrir.
"Em
sinal de tristeza", registra a Bíblia, "vestiram roupas feitas de
pano grosseiro e puseram cinzas na cabeça. Então se levantaram e começaram a
confessar os pecados que eles e seus antepassados haviam cometido.
Durante mais
ou menos três horas, a Lei do Senhor, seu Deus, foi lida para eles. E nas três
horas seguintes eles confessaram os seus pecados e adoraram a Deus"
(Neemias 9.2,3).
Esse ritual bíblico do Antigo Testamento inspirou os
cristãos no mesmo simbolismo, e no século cinco, os 40 dias antes da Páscoa
foram marcados com a Quarta-feira de Cinzas. Tudo para sublinhar que a cinzenta
paixão e morte do Senhor Jesus tinham uma razão: os nossos pecados. E depois
com as cores vibrantes da ressurreição.
Mas a
tradição pode virar traição. Cinzas podem querer, inadvertidamente, colorir.
Quarenta dias sem alegria? Sem carne? Melhor, então, uma despedida de solteiro,
uma festa da carne! Foi o que também fizeram no tempo de Isaías, e por isto a
desaprovação divina: "Eu odeio o incenso que vocês queimam, não suporta as
festas religiosas" (1.13).
Cinzas, no entanto, são mais que cinzas quando
há renovação. E com ela a confidência: "Ó Deus, o meu sacrifício é um
espírito humilde; tu não rejeitarás um coração humilde e arrependido"
(Salmo 51.17).
Marcos Schmidt
pastor
luterano